DEPOIS DE MAIS DE 30 ANOS DE CRESCIMENTO NO CAMPO DA SAÚDE, E JÁ MUITO BEM ALICERÇADO NOS ESTADOS UNIDOS E NA EUROPA, CHEGA A VEZ DO BRASIL TAMBÉM ADOTAR O CONCEITO DE MINDFULNESS. O MINDFULNESS FOI INCORPORADO AO CAMPO DA SAÚDE, INICIALMENTE, DA MEDICINA COMPORTAMENTAL, A PARTIR DO PROGRAMA DE REDUÇÃO DE ESTRESSE, CRIADO POR JOHN KABAT-ZINN, EM 1982, COMO UMA PROPOSTA COMPLEMENTAR AO CUIDADO DA SAÚDE DE PACIENTES COM DOR E DOENÇAS CRÔNICAS.

A origem do conceito de Mindfulness remonta às práticas seculares, contemplativas e orientais, presentes no budismo e na yoga, predominantemente. A partir dos anos 1990, começa a ser mais fortemente aplicado nas terapias contextualistas e cognitivas contemporâneas, estabelecendo-se como uma característica central destas abordagens, principalmente na terapia da aceitação e do compromisso e na terapia comportamental dialética.

Com uma roupagem totalmente ao gosto do ocidental, que, embora incrédulo nas “alegorias e modismos orientalescos”, segue na busca de alívio de sofrimento e acaba, frequentemente, reencontrando-se com os artifícios do Oriente. Mindfulness, da maneira que é trabalhado hoje, no campo da saúde, bem sedimentado no laicismo, chega para trazer a oportunidade de desenvolver habilidades de bem-estar e resiliência.

Obviamente, que como todos as outras intervenções para a promoção do cuidado com a saúde, como a alimentação, atividade física e outras intervenções mente-corpo, demanda uma atitude comprometida e disciplinada para obter-se os efeitos.

Mindfulness, que em português vem sendo chamado de Atenção Plena, de acordo com Kaba-t-Zinn, Mindfulness é um estado de «prestar atenção de uma forma particular: intencionalmente, no momento presente e sem julgamento”. Como sugere Germer, é um dar-se conta da experiência presente, com abertura, curiosidade, aceitação e amabilidade. Portanto, o conceito é bem robusto e por isso demanda um repertório diversificado, porém, simples e acessível a todos, para poder desenvolvê-lo.

Pode ser considerado um estado de atenção sobre si mesmo. Isto significa levar nossa atenção para o aqui e agora, para o que acontece em nosso corpo e em nossa mente. Esse estado psicológico pode ser treinado e desenvolvido; e, para isso, nos programas e intervenções de Mindfulness são ensinadas diversas técnicas.

Em termos práticos, é um estado de estar atento a si mesmo, estar autoconsciente da experiência na qual estivermos vivenciando no momento, percepção dos próprios pensamentos, emoções e das sensações corporais, com uma atitude acolhedora, de equanimidade em relação ao que se manifesta em nossa experiência, seja lá no que estivermos fazendo: trabalhando, estudando, exercitando, meditando, ou seja, em qualquer instante.

Logo, não se trata apenas de desenvolvimento de foco ou concentração, e sim de uma atenção mais expandida, um monitoramento aberto e contemplativo da experiência que se manifesta em cada instante para o qual desejamos intencionalmente regular nossa atenção.

É tarefa difícil, hoje em dia, principalmente, permanecer, boa parte do tempo, com a mente no momento presente. As pessoas estão corren-
do para tudo e por tudo, com a mente perdida em duas ou três horas à frente do tempo, ou seja, no suporto futuro ou muito ruminativas, revisitando o passado, distraidamente, como se a cabeça tivesse vida própria.

É notável o quanto as pessoas querem realizar mais e mais tarefas, mas num mundo cheio de estímulos e atrações é preciso selecionar. Se as pessoas não prestarem atenção com o que estão se engajando (tarefas ou até as puras distrações), perderão muito tempo e energia. E perder tempo
e energia, de modo automatizado e frequente, traz prejuízos para a saúde e a qualidade de vida, todos sabemos dos prejuízos disso.

Perceba que uma pequena constatação como, por exemplo: “Eu preciso conferir meus e-mails pelo celular” é capaz de se transformar facilmente num labirinto que passa pelo Facebook, WhatsApp, SMS, até chegar, e talvez nem se chegue, à caixa de e-mails!

A mente tem limitações, podemos “fazer muitas coisas ao mesmo tempo” (na verdade, segundos de cada uma, das tantas coisas de uma vez!), mas com que qualidade? E com qual impacto para a saúde física e mental?

Estar fazendo mil coisas realmente engajado é muito diferente de estar fazendo mil coisas com a cabeça em outras mil. Claro que não estou reforçando a ideia de que ficar no presente é que garantirá a felicidade. Nossa mente também revisita o passado; refletir sobre o passado, de modo intencional e atento, pode ser uma experiência rica, e é o que fazemos muito nas psicoterapias, por exemplo, além de também podermos curtir lembranças, resgatar referências para tomar melhores decisões e nos lançarmos ao futuro, projetando, imaginando e criando. O problema, e o impacto negativo, é em relação à mente dispersa, ruminando o passado, catastrofizando ou se preocupando com um futuro que não tem como prever ou controlar, desconectada daquilo que estava disposta a fazer, a pensar ou onde deveria estar ancorada.

Não usar esses processos cognitivos conscientemente, de refletir sobre o passado ou planejar o futuro, atentamente, faz perder suas vantagens,
virando as mais puras e perdidas distrações, que consomem tempo e podem interferir negativamente no humor.

É importante salientar que Mindfulness não se trata apenas de práticas meditativas, mas sim o desenvolvimento de um estado psicológico nas próprias atividades do cotidiano, como poder realmente alimentar-se de modo atento, ou tomar um banho. É a pura simplicidade na prática. Há quem desenvolva aspectos importantes sem realizar as práticas formais, ou seja, a meditação mindfulness.

Geralmente, vivemos de uma maneira bem inflexível: buscando afastar toda e qualquer experiência de sofrimento o mais rápido possível e se agarrar, para poder manter o máximo de tempo possível, a qualquer experiência prazerosa; porém, esse modo de funcionar não ajuda a desenvolver flexibilidade psicológica, tolerância e o entendimento de que as experiências estão em movimento, fluindo, passando!

Ao evitarmos pensamentos e sentimentos (esquiva experiencial ou esquiva da vivência emocional) que nos deixam mais deprimidos, raivosos ou envergonhados, porque achamos que não aguentaríamos ou porque simplesmente “não deveríamos estar nos sentindo assim”, na tentativa de não passar por determinados momentos, por eles serem avaliados negativamente, muitas vezes se adota uma estratégia de alcançar um “sentir-se bem” com a ênfase em “bem”, mas isto ocorre ao custo da capacidade de ‘sentir-se bem’ com ênfase no ‘sentir-se’, e, assim, a pessoa acaba evitando, em curto prazo, ‘sentir-se mal’, mas perde o contato com aspectos aversivos (porém importantes)da sua vivência (Hayes, 2002).

Uma falha importante dessa estratégia adaptativa é que a pessoa procura excluir sensações e sentimentos negativos, enquanto que estes não são danosos em si, mas sim sinais de condições de vida que deveriam ser enfrentados. Outra falha é que muitas vezes a recusa de vivenciar essas sensações e sentimentos os torna mais insistentes. Quanto mais a pessoa tenta não tê-los, mais os terá (Hayes, 1987; Hayes, Pankey & Gregg, 2002). É irônico que as tentativas de supressão ou esquivas de conteúdos aversivos facilitam a ruminação mental e levam ao aumento involuntário da atenção seletiva para tais conteúdos (Roemer & Borkovec, 1994), enquanto o treino de mindfulness reduz estes processos (Teasdale, 1999b). Mindfulness possibilita às pessoas estarem menos engajadas com as manifestações da mente: pensamentos, emoções e sensações, promovendo uma nova forma de olhar para seus conteúdos internos e o mundo externo, sob uma perspectiva mais gentil.

Mindfulness se encaixa nas práticas integrativas e complementares no cuidado da saúde, do SUS, reconhecidas pelo Ministério da Saúde, dentro da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, portanto, não dispensa o cuidado médico, fisioterápico, psicológico, ou qualquer outro. Em momentos de crises, diagnósticos ou condições mais severas, não é recomendado. Os professores de Mindfulness devem estar qualificados para fazer uma avaliação prévia dos interessados, pois podem existir poucos casos onde a prática não é recomendada. O campo está tão especializado que, hoje em dia, já existem programas específicos para certos transtornos (transtornos alimentares, dores crônicas, uso de substâncias, depressão, estresse).

Os resultados dos estudos empolgam os leigos, que acessam, superficialmente, as notinhas dos estudos que saem na mídia, às vezes com caráter muito interesseiro, inclusive, afinal, como eu disse, está virando mais um produto, por isso é preciso chegar às fontes para entender que os lindos resultados x, y e z são para as clientelas a, b e c, portanto, a “prescrição e a posologia” devem ser muito bem consideradas.

REMÉDIO PARA UNS, VENENO PARA OUTROS

Mindfulness também tem riscos, sim. Curioso é que ninguém está expondo isso. A simplicidade do trabalho faz muita gente pensar que é só sair meditando, respirando e lendo qualquer coisa na internet. Há técnicas para todo mundo, desde que respeitem a subjetividade, a individualidade, que por si só é altamente complexa. Quais são os benefícios de mindfulness? Eu sei que para muitos ocidentais a meditação ou prática de mindfulness cai como uma ferramenta para obter resultados. Esse é o modo de pensar corriqueiro, “o que vou ganhar com isso? Aonde isso poderá me levar?”. Todo o apelo midiático para que as pessoas pratiquem mindfulness porque tem resultados em x, y, z é apenas uma via para motivá-las, informá-las até que venham para a prática porque identificam um valor nela, se abram e venham com curiosidade.
Embora eu possa parecer contraditória, em mindfulness não praticamos para buscar resultados, efeitos, provocar estados; praticamos por praticar. Posso vir motivado pelo que tem valor para mim: bem-estar, alívio, ser mais tranquilo, atento, mas o convite é para explorar as práticas como uma via para se auto explorar, qualquer tarefa sem buscar nada além de manter-se atento e percebendo o que acontece. Por que é vantajoso desenvolver essa autoconsciência?

Bem, só dessa forma podemos olhar para a nossa vida e nosso comportamento de maneira mais clara, podendo desenvolver mais flexibilidade na regulação do próprio comportamento, rompendo com o modo automatizado e frequentemente impulsivo.

Os “resultados e benefícios” vem com o tempo e são muito particulares. É o que chamamos de paradoxo de mindfulness. Pra você ir do ponto A, o ponto onde está, para o ponto B, aquele ponto onde quer chegar, ou seja, frequentemente de um estado negativo para um mais positivo, você deve ficar no ponto A. Se você ficar no ponto B, apenas em busca ou ancorado, apenas no positivo, não desenvolve habilidades para lidar com os perrengues do seu dia a dia.

No ponto A você vive a possibilidade do contato com a experiência integral, caso se permita abrir para ela. E se conseguir fazer isso, até pode chegar num estado esperado B; mas se puramente desejar chegar em B, poderá não chegar a nada! Sacou?
Se conseguirmos ficar no ponto A, mesmo que diante de uma situação difícil, no momento é o que chamamos de sofrimento primário; temos a possibilidade de observar o quanto de sofrimento secundário somos capazes de criar à medida em que nos preocupamos, nos perdemos na proliferação de pensamentos que por consequência desencadeiam emoções e dores. Estar no ponto A é poder lidar e notar o “problema do tamanho que ele tem de verdade”. É por isso que eu gosto de dizer que, hoje em dia, ter sucesso é estar em paz na adversidade. Afinal de contas… é atrás de bem-estar que todo mundo corre atrás, só mudam os objetos de valores e os estilos de vida. Todo mundo quer é ser feliz e aliviar o sofrimento.

Os resultados científicos apontam efeito positivo na regulação emocional, redução de sintomas depressivos e ansiosos, melhora da qualidade de vida em pacientes com problemas graves como câncer, dor crônica, doenças cardíacas, no tratamento de abuso de substâncias, além de todo impacto no cérebro, com a possibilidade de gerar mudanças anatômicas e funcionais. Com as pesquisas dos últimos anos, o cérebro se revelou muito mais plástico do que os neurocientistas imaginavam. Leva-se mais tempo para alterar músculos do que o cérebro.

Por isso e por tantos outros benefícios à saúde mental e física, já está incorporado nos serviços de saúde pelo mundo e, no caso do Reino Unido, é usado para a prevenção de novos episódios de depressão recorrente, na saúde pública, com resultados semelhantes ao uso continuado de antidepressivos.
Técnicas de mindfulness vêm sendo usadas como recurso a terapias médicas, psiquiátricas e psicológicas. Vários estudos científicos foram desenvolvidos ao longo das últimas décadas para avaliar os efeitos da prática regular de mindfulness em várias patologias físicas e psicológicas.

Alguns resultados da práticas de mindfulness

  1. Doenças cardiovasculares: reduz o risco cardiovascular, de infartos e AVC em 41% durante os primeiros dois anos e em 46% depois de dois anos aplicada em conjunto com tratamentos de reabilitação médica para doenças cardiovasculares, assim como reduz estresse psicológico e fatores físicos de risco, como sobrepeso, pressão arterial, níveis de glicose no sangue em aproximadamente 30%.
  2. Hipertensão: reduz os níveis de pressão arterial comparáveis à mesma diminuição registrada coma tomada de remédios, ajuda a melhorar o estilo de vida, incluindo perda de peso e o aumento do exercício físico, induzindo a mudanças de hábito positivas.
  3. Câncer: reduz em 65% os níveis de alteração de humor, prevenindo depressão, ansiedade, raiva e confusão entre pessoas portadoras de câncer. Reduz em até 50% os sintomas físicos, como estresse, problemas cardiopulmonares, gastrointestinais e náuseas devido à quimioterapia, aumenta os níveis de sobrevivência de pacientes com melanoma e câncer de mama em até cinco anos, fazendo com que as pessoas vivam melhor e por mais tempo após o diagnóstico de câncer.
  4. Dor crônica: reduz os níveis de dor, de depressão e ansiedade em até 45%, reduz a quantidade de analgésicos utilizados por estes pacientes pela metade, aumenta os níveis de atividade produtiva e autoestima.
  5. Fibromialgia: melhorias clínicas significativas na condição física, psicológica e social, e principalmente na qualidade de vida desses pacientes, aumentando os níveis de bem-estar em até 50%.
  6. Diabetes – Tipo 2: reduz os níveis de glicose no sangue, e principalmente da hemoglobina glicada (melhor indicador de um bom controle do diabetes), em até 30%.
  7. Síndrome de Cólon Irritável: melhora a condição geral do paciente e sua qualidade de vida em até 40%.
  8. Ansiedade: reduz os níveis e sintomas de ansiedade, estresse psicológico e depressão secundária em até 50%. Previne novos episódios de crise de pânico em até 40%. As melhorias foram mantidas em pacientes avaliados que continuaram o tratamento.
  9. Asma/Desordens respiratórias: melhora o bem-estar psicológico e a qualidade de vida em até 50%, além de reduzir a frequência dos ataques
    de asma em até 40% e o tempo de tratamento.
  10. Psoriase: melhora quatro vezes mais rápido o quadro clínico se aplicada em conjunto com o tratamento de fototerapia e fotoquimioterapia.
  11. Enxaqueca: reduz a frequência e a intensidadedas enxaquecas nos pacientes em até 40%.
  12. Depressão: as técnicas de mindfulness do curso de mindfulness MBSR usadas em conjunto com terapia cognitiva demonstram ser bastante eficientes. Além disso, reduz a recorrência (novos quadros de depressão) em pacientes que foram tratados para depressão em até 60%, nos mesmos níveis, e com os mesmos custos do tratamento convencional com medicamentos, porém potencialmente com menos efeitos colaterais, e reduz os sintomas depressivos em indivíduos com depressão clínica em até 50%.
  13. Esclerose Múltipla: melhora os sintomas relacionados com postura, incluindo equilíbrio, e qualidade de vida.
  14. Sistema Imunológico: aumenta a resposta imunológica de pacientes submetidos à vacinação em até 45%.
  15. Toxicodependência (ex.: tabagismo, alcoolismo etc.): reduz os níveis de estresse, o que contribui para evitar recaídas em até 70% no caso de dependência do tabaco (fumantes que pararam de fumar), sendo que o tratamento tradicional com psicoterapia e medicamentos tem sucesso em apenas 25% dos casos.
  16. Insônia: melhora os padrões e a qualidade do sono e da qualidade do sono, melhora o sono REM (responsável por “limpar” o organismo dos processos inflamatórios e dos radicais livres, melhorando a saúde física em geral); reduz casos de insônia se tratada aliada à terapia cognitivo-comportamental; reduz a insônia de pacientes com câncer.
  17. Em crianças: melhora a capacidade cognitiva de atenção e concentração e em até 40% o desempenho escolar; aumenta os níveis de compaixão por si próprios; reduz excesso de reações emocionais.
  18. Em pais: melhora o cuidado e a atenção dos pais em relação aos filhos, reduzindo o estresse dos pais no cuidado diário dos filhos e melhorando a relação emocional positiva de pais e filhos, melhorando a dinâmica familiar, prevenindo doenças físicas e psiquiátricas; contribui para diminuir o níveis de estresse também nos filhos, auxiliando em condições como asma e TDAH (déficit de atenção e hiperatividade).
  1. Em estudantes universitários: diminui níveis de estresse percebido e aumento a qualidade de vida em até 40 %, mesmo em períodos de maior estresse, por exemplo, nos exames finais de fim de ano.

Bem Estar / Revista Psicologia

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